
Fotografias Organizadas, Memórias Preservadas
O podcast que o/a vai ajudar a colocar ordem nas suas fotografias.
O meu nome é Ana Pratas, sou fotógrafa de famílias, Mãe e a criadora da Oficina das Fotografias.
Neste podcast, com uma frequência quinzenal, partilho consigo informação, dicas e ideias para lhe ajudar a transformar o caos das suas fotografias numa colecção organizada, segura e acessível.
Fotografias Organizadas, Memórias Preservadas
27. Fotografar para Resistir - A história das Fotografias de Raoul Minot
Um álbum de fotografias antigas - repleto de fotografias da cidade de Paris durante a ocupação nazi - é encontrado numa feira de velharias. Sem qualquer informação sobre quem terá feito essas fotografias, Phillipe Broussard, do Jornal Le Monde inicia uma investigação, que vai durar 4 anos para descobrir quem é este fotógrafo.
Neste episódio conto-lhe esta história. A história que levou à descoberta de Raoul Minot, parisiense e fotógrafo amador, que usou a fotografia e o seu sentido de humor como forma de resistir às forças de ocupação na sua cidade.
Esta é uma história extraordinária, que não resisti a trazer aqui para o podcast.
Mencionado no episódio:
- Série de 6 artigos do Le Monde
- Artigo do NPR - com fotografias
- O livro "Paris Humilié", com as fotografias de Raoul Minot
- Petição pelo reconhecimento do Estado da Palestina
- Conta Instagram de Bisan Owda (fotógrafa/reallizadora resistente em Gaza)
- Angariação de fundos para ajuda em Gaza
- Freedom Flotilla Coallition
Capítulos:
00:30 Sobre o episódio - fotografias do passado
01:54 Um álbum com fotografias de Paris ocupada
05:05 A investigação
13:38 Raoul Minot
18:20 O paralelo aos dias de hoje
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Viva! Seja bem-vinda ou bem-vindo ao"Fotografias Organizadas, Memórias Preservadas", o podcast que mergulha no mundo da organização e preservação de fotografias nesta era digital e tecnologicamente desafiante. O meu nome é Ana Pratas, sou fotógrafa de famílias, mãe e a criadora da Oficina das Fotografias. Neste podcast partilho consigo informação, dicas e ideias para lhe ajudar a transformar o caos das suas fotografias numa coleção organizada, segura e acessível. Hoje trago-lhe uma história especial para lhe contar, não vou aqui partilhar dicas, nem conselhos, nem informação sobre organização de fotografias mas uma história importante em que também... A organização e catalogação de fotografias teve o seu papel. Eu gosto muito de histórias de fotografias do passado, fotografias que aparecem assim por acaso, que alguém encontra, sem saber quem é que tirou essas fotografias, então existe algum mistério em volta de quem as fez. E essas fotografias e essas histórias ganham um peso, um impacto maior quando as imagens em si são muito importantes e contam algo que não pode, de todo, ficar esquecido, especialmente nos dias de hoje. Um exemplo algo recente de uma história deste género foi a história da Vivian Maier, cujo trabalho ficou conhecido quando alguém encontrou suas fotografias e milhares de negativos e começou então a publicar essas fotografias. Descobriu-se rapidamente que eram de uma senhora chamada Vivian Maier. São fotografias dos anos 60, 70 dos Estados Unidos mais propriamente de Chicago e são fotografias muito, muito boas de grande qualidade, vi-se era uma fotógrafa muito boa e hoje também é uma das minhas fotógrafas de referência e dos trabalhos que mais gosto de ver hoje trago então uma história com a qual me deparei há uns tempos e acho que ser uma história incrível e que achei então interessante contar aqui e fazer, ter um episódio dedicado sobre este espólio de fotografias. Então esta história, esta investigação tem início em 2020 quando uma documentarista realizadora, uma pessoa que também trabalha no audiovisual Stephanie Collaux, que é uma apaixonada também por fotografias antigas, encontra numa feira de velharias um álbum repleto de fotografias antigas que facilmente ela identificou como sendo da cidade de Paris durante a ocupação nazi. E E acompanhando este álbum também estava lá uma nota manuscrita, escrita pela pessoa que provavelmente montou o álbum e que diz algo como o seguinte: Em junho 1940, um parisiense armou-se com a sua câmara para captar inúmeras cenas do exército de ocupação. Correu muitos riscos, percorreu muito a cidade e muitas das fotografias chegaram a Londres. A quando da libertação, recuperei um grande conjunto dessas imagens, através de uma rede da resistência. Não são de carácter militar, mas sim do quotidiano sob a presença nazi. São, muitas vezes, testemunhos comoventes. Tenha a coragem de as ver. Bem, incrível. Uma pessoa a encontrar um álbum com fotografias que percebe que têm logo uma grande importância e depois ter este texto que só aumenta então ao mistério e à importância do álbum. O álbum continha quase 400 fotografias. Das ruas de Paris, e eram fotografias que tinham sido claramente tiradas de forma clandestina. Porque, para já, a fotografia nessa altura não era autorizada e também já existem bastantes fotografias de Paris nesse tempo, mas a maior parte dessas fotografias que são feitas pela propaganda nazi ou por fotógrafos que eram devidamente autorizados e estavam de alguma forma alinhados com... Com a propaganda nazi. Portanto estas são diferentes, são fotografias mais naturais, as pessoas que são fotografadas não sabem que estão a ser fotografadas e documentam a realidade do dia a dia nas ruas da cidade daquela altura. Muitos soldados na rua, poucos cidadãos muitas vezes as ruas vazias, e vê-se algumas fotografias de alguns prisioneiros e de trabalhos forçados. E um detalhe aqui, bastante importante nesta história toda, é que muitas delas, muitas das fotografias estavam numeradas e tinham a data no verso. também continham notas escritas em princípio notas escritas feitas pelo próprio fotógrafo E essas notas eram escritas em um tom sarcástico, de gozação também, com os soldados alemães então demonstrando claramente a posição que o fotógrafo tinha relativamente à ocupação nazi. Ora então, perante a descoberta destas fotografias sem se ter qualquer ideia de quem era o fotógrafo e com o objetivo de desvendar esse mistério, a Stephanie Collaux recorreu ao jornal Le Monde e a partir daí um jornalista chamado Philippe Broussard inicia então uma investigação para descobrir quem é que era este fotógrafo e essa foi uma investigação que demorou cerca de quatro anos. Então aquilo que eu quero partilhar consigo é realmente a história desta investigação, não vou contar todos os detalhes, o Philippe Broussard fez uma série de seis artigos no Le Monde, e eu vou deixar o link para esses artigos caso queira ler e explorar mais esta história. E agora vou contar um pouco sobre o que aconteceu, como é se chegou este fotógrafo e é uma história realmente com alguns detalhes bastante interessantes. Então ao longo do tempo em que a investigação durou, foram encontradas, na verdade, mais fotografias deste fotógrafo. E um conjunto delas foram encontradas no Museu de Resistência Nacional, que também fica perto de Paris. E esse conjunto de fotografias tinham sido entregues ao museu através de uma doação. E logo a forma como encontraram este conjunto de fotografias, eu acho particularmente interessante, porque também revelam o nível de organização e o cuidado que o fotógrafo teve ao referenciar, ao catalogar essas fotografias. Como eu já disse as fotografias estavam numeradas. E parece que uma fotografia em particular tinha apenas o número 7 no verso. E foi essa mesma imagem que, através de uma pesquisa na internet, eu não sei bem os detalhes de como é que esta pesquisa foi feita, Philippe Broussard encontrou, no tal Museu de Resistência Nacional cópia dessa, uma reprodução dessa fotografia. E acontece que essa cópia, que estava no museu, no verso dessa cópia continha também a data e também uma nota no mesmo tom claramente irónico, então provando que tinha sido, que a mesma pessoa que produziu uma das reproduções, fez a outra também e que terá feito todas as cópias. Este conjunto que estava no Museu Nacional de Resistência continha cerca de mil fotografias. Lá está numeradas, referenciadas, datadas e algumas com as tais notas. E muitas eram cópias umas das outras. Então estes dois conjuntos juntos, o espólio... Que consiste, na verdade, em cerca de 700 fotografias, lá está, devidamente numeradas e datadas, o que até facilitou muito a organização do acervo e foi possível reconstruir digamos, o caminho e o percurso que o fotógrafo foi fazendo. Percebeu-se que as fotografias são ali de entre 1940 e 1942 e conseguimos conseguem não é, reconstruir Reconstituir o caminho e para onde é que o fotógrafo andou, em que dia e quase até a que horas é que as fotografias foram tiradas. Este é um pequeníssimo pormenor de toda esta história, mas que eu acho muito interessante e também as notas que ele deixou são de grande importância. É incrível não é? Como é que 80 anos depois, então, as iríamos encontrar e poder, de alguma maneira, ter acesso aos pensamentos deste fotógrafo. Este tal conjunto de fotografias que foi doado ao museu eventualmente ajudou a desvendar uma parte do mistério. E o Philippe Broussard, o jornalista, não chegou ao fotógrafo, mas conseguiu sim chegar e descobrir quem é que montou o tal álbum que foi encontrado na Feira de Velharias. E foi um senhor chamado Paul Le Duc, este era um militar francês e que de alguma forma então terá conseguido recolher essas fotografias no final da guerra. Porque é que o álbum foi separado a certa altura do restante espólio e como é que foi parar então a uma feira de velharias, essa parte realmente não sabemos. Depois mais tarde, descobriram que em setembro de 2020, e lembro que esta investigação começou mais ou menos nessa altura, um pequeno livro com estas mesmas imagens já tinha sido publicado em setembro de 2020. Esse livro tinha sido publicado por um historiador chamado Albert Hude. Que também se deparou com estas fotografias, mas em 2018, através de um conhecido, esse conhecido que era já um senhor com uma idade bastante avançada, ou seja, é mais um conjunto de fotografias que era encontrado. Um terceiro, três conjuntos fotografias que são... Versões das mesmas imagens que já se conheciam e lá está algumas também com as tais notas, as tais referências e são fotografias são reproduções de umas das outras. Acontece que este tal senhor de idade já avançada, que passou este acervo ao Albert Hude, é um senhor que se chamava Jean Baillon. E logo se concluiu que não podia ser o fotógrafo, porque na altura em que as fotografias foram tiradas tinha apenas 9 anos. No ,entanto ele conta, apesar da sua memória já, de estar bastante débil e bastante fragilizado, conseguiu contar que encontrou as fotografias quando a mãe morreu em 1990. Em casa da mãe. E lembra-se de a mãe lhe falar então de um amigo, que era um fotógrafo entusiasta que fazia de tudo para fotografar Paris ocupada. Então tudo, indica que a mãe deste senhor seria amiga de quem fez estas fotografias. E ele também contou que infelizmente esse tal amigo da mãe acabou então por ser apanhado pela Gestapo e depois enviado para um campo de concentração. Pronto aqui já conseguimos perceber que a história provavelmente não tem um final feliz, também vai ter um final triste, mas aqui o Philippe Broussard já conseguiu ter alguma... Ligação então ao fotógrafo em questão. Como eu disse o Jean Baillon já estava, este senhor estava bastante débil e acabou até por falecer em 2022. O Philippe Broussard focou-se então a investigar a mãe dele que é uma senhora que se chamava René Damien. E descobriu-se que ela trabalhou no Le Printemps. O Le Printemps era e é uma grande loja tipo armazém de referência em Paris. E então, pensando que o tal fotógrafo poderia também ter trabalhado lá e ser colega da mãe deste senhor, e que poderia ser daí que se conheciam, então o Philippe Broussard pediu de alguma forma, à Le Printemps que... Que examinasse, que fosse aos seus documentos e que examinasse documentos que mencionassem tempo de ocupação, que fossem daquele tempo, em busca então de alguma pista. E foi aqui que, passado bastante tempo, foi então que descobriram, lá no Le Printemps, um folheto produzido nos anos 60, um folheto comemorativo do centenário da loja e que continha algumas fotografias de Paris dessa altura. E uma das fotografias era uma imagem deste tal fotógrafo, era reconhecível. E tinha, a acompanhar essa imagem, um texto sobre o autor. E esse texto dizia algo como que o autor era um senhor Minot, um empregado que tinha o hábito de fotografar os alemães em vários locais da capital e que acabou por pagar isso com a sua própria vida. E pronto, e aqui se consegue então chegar finalmente ao fotógrafo perceber que realmente que ele... Acabou por ir também para um campo de concentração e acabou por falecer, e então conseguiu que o Philippe Broussard conseguiu finalmente identificar este fotógrafo. Raoul Minot é o nome dele, trabalhava sim no Le Printemps, trabalhava lá com a sua mulher, Marthe. Eles tinham uma filha. E era lá, na loja então no armazém que revelavam as fotografias e as reproduziam. Um dos mistérios também envoltos desta história era como é que ele conseguia ter o material, os químicos e o papel e como é ele conseguia ter acesso a um laboratório para revelar. E aqui fica também tão esclarecido que era lá que essas reproduções eram feitas e aparentemente, parece que era com conhecimento e até com conivência de alguns colegas como se fosse ali uma espécie de resistência. Também se descobriu um outro cúmplice de nome Juven, penso que é assim que se diz, que mais tarde se soube que fazia realmente parte de um grupo de resistência e que foi alguém que até comprou algumas fotografias a Minot. Por isso desconfia-se que havia aqui se calhar uma... que o Minot não faria isto apenas ele sozinho, que tinha alguém a apoiá-lo e que poderia ser então parte ali de algum grupo de resistência. Mas infelizmente, alguém Raoul Minot e o denunciou à Gestapo. O Philippe Broussard, o investigador, descobriu então, registos da polícia onde se incluía uma carta de denúncia anónima que dizia então, para investigarem o casal de Minot que... Que ele se encontrava a fazer fotografias da cidade e que essas fotografias estavam a ser reveladas e reproduzidas na loja de Le Printemps. E aqui, infelizmente, entra então a parte mais triste da história. Descobriu-se então que a polícia invadiu a casa do casal do casal Minot, e que recolhe as fotografias e também a sua câmara, e mencionam uma Kodak Brownie, que... Aparentemente ele então, o Raoul Minot escondia sob o casaco nas suas excursões por Paris. Também isto era algo que não se sabia bem como é que ele conseguia fazer isto, como é que ele conseguia tirar estas fotografias à revelia dos soldados alemães. E pronto, fica aqui também esclarecido que era uma Brownie, que é uma câmara que parece um cubo Pequeno e que ele escondia depois debaixo do casaco e quando andava por Paris conseguia então fotografar, fazer fotografias sem que ninguém se apercebesse. Raoul Minot foi preso em final de 1942, juntamente com o tal cúmplice, o Juven. Mas este último conseguiu depois escapar de alguma maneira. Mas Minot acabou mais tarde por ser levado para um campo de concentração, o campo de concentração do Buchenwald. E já em abril de 45, para fugir aos aliados, e houve a evacuação do campo de concentração por parte dos alemães, e nessa altura milhares de prisioneiros também foram forçados a sair e a marchar. Entre eles estava então já um Raoul Minot, muito, muito ainda vivo, mas muito, muito debilitado. Aquando da libertação, quando aconteceu a libertação do campo de,concentração era realmente tarde para ele, estava muito, muito doente e ele acabaria então, por morrer dias depois e aí já seria um homem livre. E esta é a história de Raoul Minot, que eu descobri há uns dias, é uma história extraordinária, triste mas importante. Eu vou deixar aqui os links para alguns artigos sobre esta investigação assim como a série de artigos que foram escritos por o Philippe Broussard, caso queira saber mais detalhes, que eu acho que vale a pena ler... E conhecer melhor toda esta investigação. E também conhecer as fotografias Porque aqui falo das fotografias. Mas não as descrevo, porque pode vê-las na internet. E as respectivas notas que o fotógrafo deixou, então, no verso. Eu acho que isso é realmente que vale a pena ler e ver, porque mostra como é que ele usou então a fotografia e esta forma de expressão, para expressar então o seu descontentamento e ser então a sua forma de resistir a sua forma de resistência à ocupação que a cidade de Paris estava a ser vítima. E a verdade é que quando eu me deparei com esta história. A de uma pessoa que procura então resistir a uma ocupação de forças opressivas no seu território, na sua cidade, e que neste caso usa a fotografia para documentar aquilo que vai testemunhando, eu não consigo deixar de fazer o paralelo com o que está a acontecer nos dias de hoje, não é? Com aqueles que todos os dias na Palestina, em Gaza, também fotografam, filmam documentam aquilo que estão a sofrer às mãos também de uma ou outra força de ocupação muito cruel. A diferença é que nós não temos que esperar 80 anos para ver essas imagens, não é? Temos acesso imediato a essas imagens através das redes sociais, com as respectivas legendas, não é? As respectivas notas das pessoas que estão a documentar. E testemunhamos em direto toda essa violência. E queria também aqui dizer que apesar de parecer que aqui no nosso cantinho podemos parecer impotentes e que não conseguimos fazer nada perante isso, que há sempre algo que nós podemos fazer, desde boicotar, protestar, conversar, informar e estarmos informados. Então também na descrição do episódio eu vou deixar alguns links. Entre eles uma petição pelo reconhecimento do Estado da Palestina por parte do governo português que eu espero que possa assinar. E são links também que vale a pena então explorar e ver. Ora, eu espero que tenha gostado de ouvir este episódio que foi diferente e que é um episódio que demonstra como a fotografia e, neste caso as palavras também que a acompanham, podem ser um ato de coragem e de resistência, e 80 anos depois são então um legado muito importante a preservar e a lembrar, especialmente nos dias de hoje. Boas fotografias e encontramos-nos em breve.